O homem antes da invenção da escrita já buscava apreender através da imagem momentos de sua vida, desejava imortalizar imaginações, momentos, fatos. Havia um desejo em contar, re-lembrar e re-imaginar essas cenas. Como podemos observar nos desenhos rupestres da Caverna Chauvet na França. Vários animais são retratados em diferentes movimentos e momentos, a vida animal era de grande importância para o homem pré-histórico.

Figura 1- Caverna Chauvet Fonte: http://www.planocritico.com/critica-caverna-dos-sonhos-esquecid
Apreender as imagens é um desejo humano que percorreu os milênios de nossa existência, a pintura se desenvolveu a níveis maravilhosos. O mundo era apreendido através da tela e da tinta. Até que no século XIX foi possível capturar o mundo através da luz, o mundo era impresso numa placa fotossensível e se realizava então o começo de uma nova escrita, a escrita com a luz.

Figura 2-Primeira Fotografia retirada por Joseph Nicéphore Niépce 1826 Fonte: http://www.dw.com/pt-br/1816-primeira-fotografia/a-515945
Desde então a fotografia passou a fazer parte do cotidiano humano. O mundo contemporâneo é o das imagens pipocando na tela do computador, smartphones, televisões, outdoors e etc. Toda a realidade é apreendida em imagens, o imaginal é utilizado para diversos fins. Propaganda, registro familiar, informação, marketing, sensacionalismo, fofoca, humor, arte e outros modos.
O fotografo é o mago que escreve com a luz, capturando-a através de sua varinha, a câmera fotográfica, revela o filme ou baixa em seu dispositivo e utiliza para aquilo que deseja. BARTHES (2015) diz que a fotografia é o “isso foi” algo que esteve presente em algum momento e agora se estende nesse lugar entre o infinito e o sujeito. Fotografar um objeto é apreender aquilo que já morreu, logo a fotografia escreve a morte de uma imagem.

Figura 3-Fotografia familiar Fonte: http2.bp.blogspot.com-OubnTwHgXV4Ue0Xwezee-IAAAAAAAAAXU05I2pKeZK9os1600Familia+Vieira.jpg
O fotógrafo apreende a alma desse instante passado e a preserva ao infinito, utilizando um esquema físico, químico e espiritual. O fotógrafo é um alquimista moderno. O processo fotográfico lembra o processo alquímico. O olho do fotógrafo observa algo, imagina a fotografia, ao disparar sua câmera a imagem é coletada do mundo, passa pela lente, atravessa o obturador, as cortinas se abrem e em uma fração de tempo, a luz é coletada, as cortinas se fecham o material sensível a luz guarda esse fragmento na escuridão. O fotografo então revela e descobre o que apreendeu e retira a inteireza ou detalhes desse momento. O processo dessa morte cria uma nova vida, uma nova alma é colocada de volta ao mundo.
A Obra é iniciada com a morte da matéria, estado de confusão denegrida (Nigredo), processo que envolve quatro partes nas quais o Ser e o Não-Ser se confrontam. O Ente corresponde ao princípio incondicional que no primeiro momento é posto em solução (Solutio). O enxofre e o mercúrio filosóficos, masculino e feminino, devem ser libertados, através do fogo, da matéria que os contém (Separatio). Dada a consciência das duas substâncias, estão purificadas e serão recombinadas, resultando daí um fluido homogêneo (Dexisio). O mercúrio filosofal (purificado) é composto por elementos mercuriais líquidos (Azoth) e por componentes sulfurosos sólidos (Latona). A fase da decomposição (Putrefactio) separa os elementos e a alma emerge do corpo. A decomposição é depurada através do Azoth, o espírito vivificante, que é extraído do mercúrio. (PIMENTA, 2016, p.109).
Logo é possível ver as semelhanças entre o processo alquímico e o processo fotográfico. Considerando a fala de Jung (C.W. Vol. XII) onde o processo alquímico também era considerado um fenômeno psicológico; a fotografia é uma forma de se conseguir uma apreensão do mundo das imagens. A fotografia é a alquimia das imagens.
Jung em seu livro “Estudos Alquímicos” (2002), relata que Paracelso apesar de ser médico em vários momentos no cuidado de seus pacientes recomendava o uso de magia popular para os processos de cura. O alquimista reconhecia que a magia tinha um processo psicológico importante nas elaborações psíquicas, mesmo não as reconhecendo dessa forma. Magia, alquimia, são processos simbólicos de projeção da psique nos meios físicos.
O mundo atual é obcecado por imagens, o mundo das redes sociais bombardeia com milhares dessas todos os dias. Afinal o que buscamos ao fotografar? Quanto desse processo é aquilo que diz Barthes (2015) “aquele que julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem” (Barthes, 2015, p. 20), ou seria de fato uma busca de colocar para o mundo a minha expressão imaginal do mundo psicológico, como diz Hillman (1989), buscando dessa forma a transformação através dessas imagens.
Hoje praticamente todos tem acesso a varinha mágica que apreende as imagens, muitos possuem acesso a possibilidade de publicização das mesmas. Imagens e almas soltas no mundo, quando manipulamos a magia com irresponsabilidade torna-se algo perigoso para a psique. “A magia é insinuante, e daí sua periculosidade (JUNG, C.W. XVIII § 156).

A diferença da magia antiga para a atual é que hoje utiliza-se imagens ao invés de palavras, onde no período longínquo nem todos tinham acesso a escrita e leitura, contemporaneamente todos tem acesso as imagens, transformam e distorcem suas almas ou as tornam algo vazio, proliferando o vácuo de sentido de imagens e almas, virando penumbras perambulando num limbo de almas perdidas. Estamos rodeados de imagens zumbis, corpos sem alma.
Como tornar então a fotografia em algo imaginal, almado, com sentido? Creio que não há apenas uma resposta para essa problemática, mas parto aqui de uma visão extremamente pessoal de vivências e leituras que tive em meu processo de encontro com a fotografia, tanto na função de espectador, quanto na função de fotógrafo. Não creio que minha indicação também seja correta, seria arrogância ter essa crença, listo apenas uma maneira que ao meu ver tornou a fotografia cheia de alma para mim.
O processo alquímico busca a transformação dos materiais e da alma num eterno continuum, a fotografia da mesma forma deve partir de um método cuidadoso e laboratorial, indo em sentido ao imaginal, para que a alma seja transformada. Ao coletar a luz para a câmera deve haver um sentido, uma busca, um trabalho, uma numinosidade, no desejo de transformação da imagem.
Sendo a imagem um processo alquímico, uma projeção do interior, alcançamos a voz do coração, alcançamos um mundo almado. No livro “O Pensamento do Coração e a Alma do Mundo” Hillman (2010) propõe um olhar diferente para alma, escutando o coração, não o coração orgânico dividido, mas o coração imaginal.
A apreensão da imagem de uma maneira alquímica, trabalhada com profundidade, proporciona um resgate das imagens do coração. Proporcionar a escuta do coração leva a um retorno à psique como estética, a alma e o coração estão no belo. “A beleza é o manifesto da alma…” (Hillman, 2010, p. 45). Fotografar o mundo, de maneira alquímica, trabalhada e laboratorial, instiga a visualização da alma das coisas.
O relacionamento com a alma fotográfica leva de encontro ao proposto por Hillman (2010), o retorno da alma ao mundo, deixando que os objetos falem e não sejam meros escravos do ego. Diante dessa forma de existir possamos respeitar nossa relação com anima mundi. A tomada das imagens de forma alquímica é uma proposta para que possamos transformar a nossa realidade, resgatar a sensibilidade e a alma do mundo.

REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2015
JUNG, Carl Gustav. Estudos Alquímicos. Obras completas C. G. Jung v. XIII. Petrópolis: Vozes, 2002.
JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Obras completas C. G. Jung v. XII. Petrópolis: Vozes, 2009.
HILLMAN, James. Entre Vistas: Conversas com Laura Pozzo sobre psicoterapia, biografia, amor, alma, sonhos, trabalho, imaginação e o estado da cultura. São Paulo, Summus, 1989.
HILMANN, James. O pensamento do coração e a alma do mundo. Campinas, Verus, 2010.
PIMENTA, Alan Victor. Solve et Coagula – arte alquímica, corpo e luz. In: ALEGRAR nº18 – Dez/2016.